Vida Urbana e Covid-19: Impactos na Arquitetura e o Futuro das Cidades

Artigo escrito por Anna Karla Almeida, arquiteta urbanista e assistente doutoral na EPFL, no Laboratorio de Urbanismo, Lab-U. Anna Karla foi uma palestrante durante o webinar “Urban Living and Covid-19: Impacts on Architecture and the Future of Cities” e compartilha mais ideias sobre o assunto com a comunidade Swissnex. Boa leitura!

Espaço, palavra de ordem em tempos de pandemia. Vivemos um momento de transição – isso porque a relação com os espaços em que habitamos mudou. O homem, como ser coletivo, vê-se obrigado a auto isolar-se porque o modo como concebemos nossas relações nos põem em contato com a coletividade nos centros urbanos em que habitamos. Espaço é sobrevivência, sobretudo entre os naturais fluxos do quotidiano humano, por vezes tão estreitos e que hoje parecem ser um grande ameaça à saúde coletiva. Dito isto, o modo como planejaremos, viveremos e conduziremos nossas cidades daqui para frente tem direta influência na qualidade de vida em direção à transição ecológica e busca de um urbanismo saudável. O comentário a seguir busca pensar o espaço urbano e a transição pós-pandemia em caráter temporal – a curto, médio e longo prazo, e em caráter espacial – em como habitamos nossas casas, espaços públicos e territórios. 

Pensando no futuro das cidades em um contexto pós-pandemia, o planejamento urbano será ferramenta indispensável para a contenção do vírus em um panorama de curto, médio e longo prazo. A curto prazo, porque a pandemia revelou a urgência de tornar a discussão superficial desses futuros possíveis em implementação rápida e ação concreta. A conta chegou quando muitas das políticas públicas para a mobilidade e habitação que outrora foram pensadas e articuladas, mas nunca implementadas. Por exemplo, o urbanismo tático, ainda que não seja um projeto radical, foi largamente incentivado nos últimos meses em cidades como Milão, Bruxelas e Paris ao priorizar a mobilidade doce, o alargamento de calçadas e a criação de novos espaços que priorizem o indivíduo na cidade. Em um panorama de médio prazo, em um futuro próximo quando passada a primeira onda da pandemia, acredito que se considerará como elemento essencial do projeto urbano a promoção de cidades mais saudáveis e que possam colocar a questão da densidade urbana em jogo. As cidades territórios são uma realidade que precisará ser afrontada e articulada para encontrar soluções urbanas possíveis e sustentáveis entre campo, indústria e cidade. A longo prazo – em uma perspectiva otimista – talvez nossa geração considerará a generosidade dos nossos espaços urbanos elemento chave para a sobrevivência. Mas mais do que a pandemia, um fator que contribui decisivamente e com o qual devemos estar preocupados são as mudanças climáticas. Os evidentes desequilíbrios do nosso ecossistema reforçam a ideia de que além de uma pandemia, é necessário pensar na transição ecológica de nossos territórios de maneira mais profunda e tomando em consideração a forma como atualmente produzimos e conduzimos a economia global. De certo, como produzimos e concebemos nossos ambientes produtivos afeta decisivamente a qualidade do ar, a impermeabilização dos solos, a contaminação das águas e o ecossistema como um todo. Cabe aos planejadores considerar a economia circular como elemento categórico na busca da sustentabilidade.

No contexto Suíça-Brasil, os dois países vivem períodos diferentes da pandemia. As escalas de casa, espaço público e mobilidade são distintas, seja pela extensão territorial, seja pelo modo em como os respectivos governos estão conduzindo a transição pós-pandemia, sobretudo nos seus centros urbanos. Preocupa-me o negacionismo desta urgência no Brasil, pois ele seria uma excelente força motriz para a implementação de políticas públicas que tornariam viável um novo paradigma urbano. 

Em um contexto espacial, o primeiro impacto sentiu-se dentro de casa: “stay safe, stay home” não é o mesmo slogan para todos. Obrigados ao confinamento dentro de nossos lares, a qualidade do espaço construído nunca foi tão necessária, ainda nem sempre possível quando a desigualdade social, decisiva para a habitabilidade. Sobretudo na habitação popular brasileira, as unidades habitacionais estão muitas vezes muito aquém das necessidades de seus moradores. Também na Suíça e Europa em geral, tem-se um crescente aumento dos apartamentos de um cômodo só, que a princípio vendidos como sinônimo de praticidade, mas em uma situação de confinamento, tornaram-se insustentáveis para seus moradores. Acredito que outros lugares que habitamos também mudarão: as escolas, hospitais, shoppings centers e outros espaços para a coletividade, deverão rever a relação entre suas medidas na busca da justa distância.

Nos espaços públicos, considerar os novos espaços exigidos pela pandemia é um desafio especial em cidades onde ele não é lugar de permanência, mas de negligência. Quando não dispomos de espaços públicos que propiciem os vazios cheios de vida necessários aos densos tecidos urbanos das grandes periferias brasileiras, o sentido de urbanidade é perdido. 

Por fim, a mobilidade urbana veio como urgência ser remediada: mais espaços de calçadas, para o uso de bicicletas e para a manutenção das boas distâncias entre os cidadãos. O habitar, o espaço público e como nos movemos nestes elementos fundamentais para a leitura de um território urbano condizem com os elementos chave a serem articulados em diferentes escalas, onde é dever dos Estado auxiliar nesta transição, e tem também influência direta até que ponto poderemos mudar nosso comportamento e nossa solidariedade quando esse estado de alerta passar.