– Por Sofia Costa, Gerente de Comunicação da Swissnex no Brasil
A floresta amazônica, frequentemente chamada de “pulmão do mundo”, abriga um terço das espécies do planeta e é lar da maior concentração de biodiversidade do planeta. No entanto, esse ecossistema vital está sob uma ameaça sem precedentes. O aumento das taxas de desmatamento está rompendo seu equilíbrio delicado, colocando inúmeras espécies em risco e aumentando a probabilidade de doenças zoonóticas — aquelas transmitidas de animais para humanos.
Quando os habitats naturais são destruídos, humanos e animais selvagens são forçados a entrar em contato mais próximo, criando condições ideais para que os patógenos saltem entre as espécies. Mais de 75% das doenças infecciosas emergentes têm origem em patógenos que circulam inicialmente nos animais, representando riscos significativos para a saúde global. Essas doenças causam milhões de mortes anualmente, sendo a COVID-19 um exemplo claro das consequências devastadoras do salto zoonótico.
Para explorar esses riscos e a necessidade urgente de proteger a biodiversidade, entrevistamos a Dra. Alessandra Nava, cientista brasileira da Fiocruz Amazônia. A Dra. Nava é especializada em doenças infecciosas emergentes ligadas ao desmatamento e às mudanças ambientais. Seu trabalho, que inclui a coleta de amostras de pequenos mamíferos para o Biobanco Fiocruz Amazônia, desempenha um papel fundamental na compreensão e mitigação da disseminação de patógenos zoonóticos.
Por meio de sua pesquisa, a Dra. Nava esclarece como preservar a biodiversidade é essencial não apenas para o equilíbrio ecológico, mas também para prevenir futuras pandemias.
Riscos Zoonóticos: Patógenos e Humanos
A proximidade crescente entre humanos e a vida selvagem, impulsionada pelo desmatamento e destruição de habitats, está amplificando o risco de doenças zoonóticas. Esses patógenos, responsáveis por mais de 75% das doenças infecciosas emergentes, representam uma ameaça crescente à saúde global e à estabilidade.
Como um patógeno salta de espécie, de animais para humanos?
Dra. Nava: “A frequência de contato entre espécies que naturalmente não se encontrariam possibilita adaptações de patógenos a outros hospedeiros. A perda de biodiversidade e taxas de contato entre humanos e animais silvestres também é uma via para essas emergências.”
Quais são os riscos e os cenários possíveis quando um patógeno passa de uma espécie animal para uma humana?
Dra. Nava: “Depende do patógeno em questão, da sua infectividade, ou seja o poder de transmissibilidade. Vimos com o COVID 19 que patógenos com alto poder de transmissibilidade, levam a consequências desastrosas: desde alto número de doentes, como também um colapso do sistema de saúde prejudicando todo atendimento e acolhimento da população.”
O que devemos fazer para evitar que possíveis vírus se tornem transmissíveis aos seres humanos?
Dra. Nava: “Não comercializar animais silvestres, nem para consumo e nem como pet , não liberar a caça, e manter nossas florestas em pé e com alta biodiversidade . Muitas doenças zoonóticas vão emergir e reemergir e aumentar a sua area de ocorrência devido a emergência climática. Devemos estar preparados para esse cenário.”
A Crise da Biodiversidade: Perda e Impactos
A perda de biodiversidade prejudica nossa saúde e ameaça os ciclos ecológicos que sustentam a vida. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a biodiversidade está diminuindo mais rapidamente do que em qualquer outro momento da história, com mais de um milhão de espécies atualmente em risco de extinção.
Na sua opinião, qual é a perda mais grave que estamos tendo em nossa biodiversidade?
Dra. Nava: “Perdemos serviços ecossistêmicos e a capacidade da floresta de retornar a umidade para a atmosfera. A perda da biodiversidade , tambem ocasiona a perda do efeito diluição, que se mostra claro quando comparamos doenças que ocorrem no sudeste do Brasil como a febre maculosa , e que a ocorrência na região norte ainda é incerta. As capivaras como reservatórios competentes para a bactéria , e sendo animais resilientes, permanecem em ambientes altamente antropizados enquanto espécies mais sensíveis à pressão antrópica desaparecem.”
De qual consequência devemos ter mais medo?
Dra. Nava: “A perda da capacidade da floresta de regulação do ciclo hidrológico é uma das mais importantes”
Qual é a primeira medida que deveríamos tomar para mudar o caminho que estamos tomando agora?
Dra. Nava: “Como diria Thomas Lovejoy : regreening ! A floresta em pé é necessária. A nossa necessidade e avidez por combustíveis fósseis e o agronegócio são pontos cruciais que precisam ser reavaliados.”
One Health em Ação: Colaboração para a Prevenção
Proteger a biodiversidade é fundamental não apenas para o equilíbrio ecológico, mas também para prevenir pandemias. Compreender os fatores sociais e ambientais por trás do surgimento de doenças, juntamente com o monitoramento proativo e o envolvimento das comunidades, é essencial para mitigar futuras crises de saúde.
Levando em consideração sua carreira na coleta de amostras de pequenos mamíferos para a Fiocruz Amazônia, o que a Fiocruz está fazendo de forma proativa para prever ou evitar outra pandemia?
Dra. Nava: “Na Fiocruz Amazônia fazemos monitoramento ativo de patógenos emergentes através de parceria com IBAMA e ICMbio, coletando amostras de diversas espécies silvestres do estado. O componente humano também é bastante presente no entendimento dos tipo de contato que a comunidade tem com a fauna silvestre e os pontos de fragilidade para uma emergência, bem como as mudanças na paisagem que podem levar a uma emergência. Entender essas variáveis é crucial para estarmos um passo a frente.”
Como a abordagem One Health pode ajudar a mitigar essas consequências na região amazônica e no mundo?
Dra. Nava: “A abordagem em saúde única ou uma só saúde entende que para a mitigação e resolução de problemas é necessário olhares diversos , incluindo conhecimentos prévios e bagagens que possam interagir para criar possibilidades de melhoria globais, mirando não só o humano , mas animais, meio ambiente e ecossistema.”
A abordagem One Health está se tornando cada vez mais importante. Na Suíça, a Universidade de Zurique criou o primeiro instituto universitário de One Health (OHI) da Europa em maio de 2023.
Como você vê as universidades no Brasil abordando essa nova forma de pensar em comparação com um país do norte global?
Dra. Nava: “No Brasil, diversas iniciativas institucionais estão começando a abordar a abordagem de saúde única. A Fundação Oswaldo Cruz possui um programa sobre Saúde Única (Fio Saúde Única), e também o governo brasileiro tem um grupo interministerial de Saúde Única. Os cursos de graduação ainda estão distantes, mas a agenda climática nos impulsiona a ser mais ágeis.”
Um Chamado à Ação pela Biodiversidade e Saúde
Os desafios impostos pela perda de biodiversidade, mudanças climáticas e doenças zoonóticas exigem uma ação urgente. Como destaca a Dra. Alessandra Nava, as soluções demandam uma abordagem multidisciplinar, unindo ciência, políticas públicas e o engajamento das comunidades. Florestas em pé, monitoramento proativo e a implementação da abordagem One Health são passos cruciais para proteger nossos ecossistemas e a saúde.
Esta conversa reforça a importância da colaboração global para enfrentar esses desafios interconectados. Ao fomentar o intercâmbio de conhecimento e a inovação, podemos trabalhar em direção a um planeta mais saudável para todas as espécies.
Fique ligado enquanto a Swissnex no Brasil continua a explorar a interseção entre ciência, sustentabilidade e inovação, compartilhando insights e soluções de especialistas que estão na vanguarda desse trabalho vital.